Intro

Bem vindo ao blog Cuiqueiros, um espaço exclusivamente dedicado à cuica – instrumento musical pertencente à família dos tambores de fricção – e aos seus instrumentistas, os cuiqueiros. Sua criação e manutenção são fruto da curiosidade pessoal do músico e pesquisador Paulinho Bicolor a respeito do universo “cuiquístico” em seus mais variados aspectos. A proposta é debater sobre temas de contexto histórico, técnico e musical, e também sobre as peculiaridades deste instrumento tão característico da música brasileira e do samba, em especial. Basicamente através de textos, vídeos e músicas, pretende-se contribuir para que a cuica seja cada vez mais conhecida e admirada em todo o mundo, revelando sua graça, magia, beleza e mistério.

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sábado, 29 de outubro de 2011

A cuica na música erudita

Esse novo post segue a mesma ideia que já foi apresentada na postagem A cuica no jazz, só que dessa vez veremos exemplos da presença da cuica na música erudita.

Numa análise mais superficial à respeito desse tema, certamente há quem pense que isso não é possível. Como assim, cuica na música erudita? De fato, todos nós sabemos que a cuica é um instrumento musical típico do carnaval, que tem em sua sonoridade o simbolismo da alegria, da sensualidade, da festa, da malandragem, enfim, características muito distantes do ambiente austero e disciplinado da música clássica, como também é chamada a música que é "fruto da erudição e não das práticas folclóricas e populares". Além disso, o cuiqueiro geralmente não é o tipo de músico que estuda horas e horas o seu instrumento, como fazem os concertistas. Então, levando essas premissas em consideração, podemos concluir que a cuica realmente não tem vez dentro de uma orquestra, correto? Não! 

Indio da Cuica - OSRJ

A OSRJ - Orquestra de Solistas do Rio de Janeiro - tem como um de seus integrantes o grande Indio da Cuica, esse aí da foto acima. Indicado ao maestro Rafael de Barros de Castro pelo saudoso Ovídio Brito, o Indio tem um papel fundamental nessa orquestra, onde ele toca pandeiro, reco-reco, tamborim, mas é com a  cuica que ele faz toda a diferença, como se pode ver nesse vídeo:


Essa apresentação faz parte de uma série de espetáculos da OSRJ dedicada à música popular brasileira e fica claro que a proposta dessa orquestra não é seguir à risca a formalidade característica da música erudita. No caso desse vídeo, o espetáculo era em homenagem ao compositor Noel Rosa. Já a foto mais acima é de um concerto em homenagem à Nelson Cavaquinho, que hoje estaria completando cem anos! Inclusive, a OSRJ fará uma apresentação no próximo dia 08, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, às 19h, com entrada franca, em homenagem ao centenário do compositor.

O próximo caso é um exemplo que deixa a relação entre cuica e música erudita um pouco mais estreita. Trata-se de uma apresentação na abertura do programa do Jô Soares, que aconteceu a pouco mais de um mês. No piano, está o conceituado maestro João Carlos Martins, nas cordas, o Quarteto Bachiana e junto a eles, um cuiqueiro chamado Bocão, obviamente, na cuica. Eles tocam a peça Ária na Corda Sol, do compositor alemão Johann Sebastian Bach.


Para finalizar, o vídeo abaixo mostra uma orquestra executando a obra Ionisation, composta em 1931, por Edgar Verése, compositor francês naturalizado estadunidense. Essa música foi escrita apenas para instrumentos de percussão, como bumbo, tímpano, tarol, pratos, blocos de madeira, bem como instrumentos percussivos de altura definida, como o piano e os sinos. Algumas pessoas podem estranhar ou até mesmo pensar que não se trata de uma música. É que na realidade, Verése a compôs com a intenção de reproduzir os sons da vida urbana moderna, tanto é que ele utilizou até sirenes na sua criação. Mas o que nos interessa é que ele dedicou algumas poucas notas da partitura para um instrumento chamado lion's roar, que se assemelha à cuica, pois também pertence à família dos tambores de fricção.


É preciso ter um pouco de atenção ao assistir o vídeo para não perder os poucos momentos em que a "cuica" é tocada. Primeiro aos vinte segundos, depois aos 37 segundos e no final da música, não aparece na imagem, mas dá para ouvir que o instrumento está sendo novamente executado.

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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Continuação da postagem anterior

Dando continuidade à postagem anterior, além das dicas sobre o tratamento da pele animal dos instrumentos de percussão, o texto da IZZO cita outras questões que também merecem atenção. Logo no início, concordo quando é dito que "muitos fabricantes empacham o instrumento e colocam à venda sem tratar as peles", mas com a correção de que, no caso da cuica, absolutamente todos os fabricantes colocam o instrumento à venda sem tratar a pele antes, e pior ainda, o gambito também não recebe tratamento algum. Isso é ruim porque prejudica quem está começando a tocar cuica e ainda não possui conhecimento suficiente pra escolher uma boa pele e deixar o gambito de acordo com seu gosto pessoal, como fazem os cuiqueiros mais experientes.

Depois, fala que "a pele animal sofre muitas variações de acordo com o clima e a temperatura". Pensando como o texto aponta, o frio afrouxa a pele enquanto o calor estica, mas arrisco a dizer que não é bem isso. Na verdade, acho que o nível de umidade no ar é que faz a pele esticar ou afrouxar, e não a temperatura. Se persarmos, por exemplo, num ambiente como o de uma sauna, onde a temperatura é elevada, porém, muito úmida, será que a pele vai esticar ou afrouxar? Imagino que vai afrouxar. E no caso do ar condicionado? Já toquei num teatro com o ar condicionado ligado e pouco antes de começar o show, deixei a cuica no palco, já afinada, mas quando o show começou e eu dei a primeira puxada, a pele estava muito mais esticada do que a afinação que eu havia feito poucos minutos antes. Quer dizer, o ar condicionado deixou o ambiente frio, porém, com o ar seco, e por isso a pele esticou ao invés de afrouxar. Portanto, diria que a pele sofre variações de acordo com a umidade do dia ou do ambiente, tanto em locais abertos ou fechados. O "quente" ou "frio" certamente influenciam de alguma forma, mas não é a temperatura que faz a pele sofrer variações e sim o nível de umidade no ar.

Sobre a sugestão de se usar azeite de dendê para tratar a pele animal de instrumento de percussão, no caso da cuica, aproveito a opinião dos amigos Pierre do Pandeiro e Malabim, que deixaram, respectivamente, os seguintes comentários:

"eu acho que o sistema do azeite de dendê não seria um ótima opção pois ele engrossa a pele fazendo surtir mais os sons graves, sendo que na cuíca o que da aquele brilho é o som agudo"

"como sou adepto do candomblé já utilizava o azeite de dendê sendo que os atabaques são tratados desta forma. Cada um cada um, mas é uma ótima opção...".

Duas opiniões que se divergem, mas ao mesmo tempo se complementam. Malabim ainda finaliza dizendo: "tem um amigo meu, cuiqueiro, que utiliza creme hidratante". Usar creme hidratante para tratar a pele da cuica me parece mais viável e, quem sabe, mais eficaz do que o azeite de dendê.

Quanto à afinação em X, imagino que boa parte dos seguidores deste blog saibam o que isso significa, mas pra quem não sabe, a afinação em X é uma maneira utilizada por muitos cuiqueiros para afinar a cuica. Trata-se de apertar os parafusos alternadamente, formando um movimento de X realmente, como na imagem abaixo.



Essa ilustração mostra o movimento alternado de um parafuso para o outro: do primeiro para o segundo, do terceiro para o quarto e assim sucessivamente, do quinto para o sexto, do sétimo para o oitavo; independente do número de tirantes da cuica, a sequência segue dessa maneira, até chegar novamente no parafuso do início. O importante durante esse processo é dar o mesmo número de voltas em cada parafuso, geralmente com uma ou duas voltas, se a pele for nova, ou mais do que duas voltas, se a pele já tiver algum tempo de uso. Isso é o que vai determinar a altura da afinação, quer dizer, se o som da cuica vai ficar agudo, medio ou grave. Outra coisa muito importante para uma boa afinação é deixar todos os parafusos com a mesma pressão, então, depois de afinar em X, verifique se tem algum parafuso mais frouxo que os demais e, caso seja necesário, dê mais um aperto no parafuso identificado. Isso é o que vai resultar no equilíbrio da afinação e, consequentemente, no som harmonioso do instrumento
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